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Propriedade de dados e “open health”: uma revolução na saúde?

Como a definição de propriedade e o controle efetivo do paciente sobre os seus dados vão mudar a dinâmica e transformar o ecossistema da saúde

Quem nunca passou pela experiência de ter que ir ao médico e levar uma pilha de exames em filmes e papeis? Ou mesmo ter que acessar diversas plataformas para conseguir obter seu histórico médico, ainda que incompleto ou de difícil interpretação das informações em conjunto?

A realidade dos pacientes quando se trata de dados de saúde é de uma grande descentralização da informação, causando assimetrias entre os diversos atores do ecossistema, aumentando a ineficiência, elevando os custos e comprimindo as margens nas pontas mais fracas da cadeia.

Mais do que isso, o paciente não tem verdadeiro controle sobre os seus dados - nem quanto à gestão do seu uso, nem do ponto de vista do seu valor. Sim, dados de saúde tem grande valor. Mas, a dificuldade de acessar, combinar e disponibilizar esses dados faz com que hoje os pacientes não consigam obter vantagens para os seus atendimentos de saúde e até mesmo geração de renda.

Nesse contexto, começamos a vislumbrar o surgimento do open health como um modelo aberto, cujo conjunto de regras e padrões tem como objetivo principal aumentar a segurança, eficiência e agilidade no compartilhamento e nas transações de dados entre instituições de saúde, profissionais do setor e demais empresas que participam do ciclo de cuidados de um paciente.

O open health não é necessariamente o início dessa revolução, muito menos é o fim. Trata-se de um catalisador do processo de transformação e da mudança de paradigma pela qual o mundo está passando.

Propriedade de dados e seus obstáculos

De acordo com o Código Civil, em seu Artigo 1.228, a propriedade é o direito que confere ao seu titular os poderes de usar, gozar e dispor da coisa, assim como de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.

Quando se pensa em propriedade no contexto dos dados de saúde, existem obstáculos para que o titular - no caso, o paciente - consiga de fato usar e dispor os seus dados e especialmente reavê-los. São eles:

Descentralização

Os dados dos pacientes estão espalhados entre os diversos médicos, laboratórios, hospitais, farmácias e até mesmo entre os operadores e planos de saúde que fazem parte da sua rede de cuidados.

Digitalização

Ainda existem atores e procedimentos que atuam de forma analógica, sendo necessária uma migração para o digital. Essa migração, que muitos chamam de “transformação digital”, leva tempo e requer não só investimentos em tecnologia, como também uma adaptação cultural e processual por parte dos profissionais de saúde envolvidos.

 

Interoperabilidade

Trata-se principalmente da capacidade técnica de combinação. Os esquemas de registro, o significado dos atributos, as nomenclaturas, os modelos e as métricas variam de acordo com os sistemas, processos e equipamentos. Para uma efetiva utilização, é preciso que haja uma padronização por meio de uma ontologia própria da rede de atenção à saúde. No Brasil, a RNDS - Rede Nacional de Dados em Saúde - veio como um programa do Governo Federal que tem como objetivo endereçar exatamente esse ponto da interoperabilidade.

Uma vez superados esses e outros obstáculos, é possível se falar na possibilidade de devolução efetiva da propriedade dos dados ao paciente. O que faltaria, então? Um ambiente e uma aplicação na qual o titular pudesse receber, acessar, analisar, utilizar e compartilhar seus dados com quem fosse do interesse dele, tendo assim total controle. Isso já está sendo viabilizado a partir da combinação de novas tecnologias que entregam ao paciente uma carteira de dados - ou dWallet (data wallet em inglês).

A revolução do valor dos dados para o paciente

O interesse do paciente em ter a propriedade dos seus dados vai da comodidade de ter todo o seu histórico em suas mãos, passa pelo aumento da confiança no diagnóstico médico, pela possibilidade de previsibilidade de doenças e condições adversas, e vai até a possibilidade de geração de renda.

Dentre todas as dimensões humanas que geram dados - identidade, comportamento, finanças, crédito, consumo - a saúde é uma das que tem mais valor. Esse alto potencial vem do grande volume de dados gerados nesse segmento, do enorme potencial de combinação e geração de informação para atender a casos de usos diversos, e do contexto envolvendo a sensibilidade e do quanto cada conjunto de dados é único.

Há interesse e potencial de remuneração do paciente pelo seu histórico médico, pelo consumo de medicamentos, pela presença de doenças crônicas ou até mesmo pelos seus dados genéticos. As possibilidades são muitas e tendem a crescer quando as entidades do ecossistema entenderem que será possível acessar esse tipo de informação respeitando completamente os direitos do titular, que deverão consentir detalhe por detalhe de cada uso.

Um aspecto relevante com relação ao valor dos dados de saúde é que existe uma tendência compensatória. Quanto mais grave e rara for a condição do paciente, mais os seus dados valem. Há registros médicos de pacientes com doenças raras sendo comercializados por mais de 10 mil dólares com o objetivo de pesquisas e desenvolvimento de drogas e medicamentos.

 O Open Health como catalisador

A discussão sobre a abertura dos dados de saúde e sua respectiva implantação vem ganhando corpo em diversos lugares do mundo. No Brasil, o tema ganhou maior relevância no ano de 2022, após a prática do open banking e do open finance terem sido iniciadas.

Quando se coloca o indivíduo no centro das atenções, percebe-se o quanto essa abertura trará impactos positivos, uma vez que a transparência, a acessibilidade e a interoperabilidade têm como objetivo principal reduzir as assimetrias de informação. E não restam dúvidas de que é o paciente quem mais sofre com elas.

Ainda há incertezas sobre o formato específico de funcionamento do open health no Brasil, mas as suas premissas constituem passo fundamental para que a revolução da propriedade e da geração de renda com dados aconteça. Torçamos para que ocorra em breve, para beneficiar não só os pacientes, mas todos os envolvidos no ecossistema da saúde.

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Artigo escrito em parceria com Bruno Aracaty, empreendedor, investidor, COO da DrumWave, empresa focada em propriedade e monetização de dados, e cofundador e membro do conselho do Colab, gov-tech premiada globalmente. Bruno possui certificação CFA desde outubro de 2012, e especializações na UC Berkeley, MIT, Singularity University e Insper. Publicado na coluna de setembro de 2022 da MIT Sloan Management Review Brasil.