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O potencial do metaverso na saúde

As possibilidades são imensas: melhorias na formação de profissionais, no atendimento a pacientes, nas cirurgias e no funcionamento de hospitais

Tão falado nos últimos tempos, o termo “metaverso” vem provocando excitação e preocupação em muitos. Cunhado pelo autor Neal Stephenson, em 1992, no livro de ficção científica Snow Crash (publicado no Brasil como Nevasca), o tema está na pauta do dia desde que o Facebook anunciou a mudança do nome da empresa para Meta, buscando uma nova inserção no mundo virtual.

Além da Meta, outras grandes companhias, como a Microsoft, também estão buscando seu espaço no novo ambiente, com plataformas como a Mesh, ambiente de realidade mista criado na rede em nuvem Azure. Ela vai permitir que pessoas de qualquer lugar do mundo estejam próximas em um ambiente de realidade virtual por meio de seus avatares.

John Hanke, CEO da Niantic, empresa de jogos de realidade aumentada como Pokémon GO e Ingress, assim falou do tema: “Temos Instagram, e-mails, messengers... E nossos amigos e famílias na vida real, com atividades reais. Hoje já há intersecção entre esses dois mundos, mas quando penso no que seria uma visão de metaverso, realmente trata-se da união profunda e difusa desses dois universos, com uma extensão digital de tudo que é real.”

Ou seja, é um enorme espaço virtual alimentado por tecnologias como realidade virtual (RV), realidade aumentada (RA), realidade estendida, inteligência artificial (IA) e realidade mista, que se combinam para oferecer experiências imersivas e realísticas aos usuários.

Se levarmos nossas reflexões a respeito do tema para aqueles nascidos a partir de 2010 ou a qualquer um que consuma os jogos acima, muitos nem nos entenderão, pois já vivem essa realidade neles e em outros jogos, como Roblox, Fortnite ou Minecraft. Mas e para os demais?

Possibilidades na saúde

No setor da saúde, uma possibilidade interessante será poder experimentar situações desconfortáveis em um ambiente seguro, simulando situações no mundo virtual para ajudar na dessensibilização de eventos semelhantes no mundo real. Por exemplo, auxiliar pessoas que têm fobias ou medos, como falar em público, viagens de avião, claustrofobia etc.

Um outro cenário para o qual o metaverso pode ser de grande auxílio diz respeito aos transtornos mentais. O fato de soluções no metaverso estarem disponíveis a qualquer momento, além de serem fáceis de usar e poderem garantir o anonimato do usuário, ajuda a superar paradigmas associados a transtornos mentais e facilitam, caso necessário, a busca de um profissional especializado.

Vamos abordar aqui algumas das principais aplicações do metaverso no setor de saúde, destacando o uso na educação, telemedicina, pesquisas clínicas e atendimentos virtuais:

1. Educação em saúde

O número de profissionais de saúde formados no Brasil tem aumentado progressivamente nos últimos anos, assim como a necessidade de ferramentas de educação continuada, não apenas durante a graduação, mas também após a conclusão do curso superior. Existem mais de 500 mil médicos ativos no país, com 354 faculdades e cerca de 35 mil novos médicos formados por ano. A distribuição e o conhecimento médico são desiguais e heterogêneos, concentrados principalmente nas regiões Sul e Sudeste e nas grandes capitais.

Por mais que existam atualmente diversas soluções de educação em saúde, muitas acabam se tornando cansativas ou monótonas para o usuário, que tem cada vez menos paciência e tempo para se dedicar a plataformas de educação tradicionais. Soluções de educação continuada em saúde imersivas, práticas e lúdicas, permitindo que o usuário possa conversar e examinar metapacientes, tornarão o aprendizado muito mais dinâmico e lúdico, em um ambiente gamificado.

O treinamento cirúrgico e para outros procedimentos invasivos, atualmente realizado em cadáveres ou animais, será cada vez mais praticado em ambientes de RA e RV, permitindo uma maior interação entre os usuários e a disponibilização de conhecimento em saúde para pessoas de qualquer lugar do planeta. Outras funcionalidades, como reuniões multidisciplinares, treinamento para provas e concursos e congressos, jornada e simpósios, também estarão mais e mais presentes no ambiente virtual.

2. Hospitais virtuais

Tratamos deste tema em uma das nossas colunas. Os hospitais do futuro serão menos burocráticos, mais ágeis e mais humanizados. Procedimentos mais simples, como monitoramento de condições crônicas e consultas de rotina, serão realizados por teleconsulta e por monitoramento remoto, deixando os hospitais muito mais voltados para cirurgias de grande porte, atendimentos de urgência e exames diagnósticos mais complexos.

Clínicas e hospitais no metaverso também deverão se tornar uma tendência, permitindo que pacientes e profissionais de saúde possam interagir virtualmente e ali realizar diversos procedimentos, como monitoramento de condições crônicas, teleconsultas e educação em saúde.

3. Telemedicina

A pandemia despertou uma maior preocupação da população com a saúde e acelerou o interesse por atendimentos remotos, realizados a qualquer momento, de qualquer lugar. A adoção de teleconsultas por médicos, pacientes e outros profissionais da saúde disparou durante a pandemia, mas muitos ainda sentem falta de uma maior proximidade e de contatos mais humanizados. Ambientes em realidade virtual, no metaverso, já permitem interações síncronas e permanentes, fazendo que médicos, psicólogos, nutricionistas e outros profissionais possam interagir, em tempo real, com seus pacientes, que se sentem muito mais acolhidos do que em uma teleconsulta.

Além disso, o advento das redes 5G, com alta velocidade e baixa latência, permitirão, teoricamente, a realização de cirurgias a distância em tempo real, com profissionais fisicamente distantes interagindo em um ambiente virtual com avatares e trazendo avanços em saúde para todos, independentemente de suas localizações físicas.

4. Gêmeos digitais

Um gêmeo digital é um modelo virtual de qualquer processo, objeto ou sistema no mundo virtual. No mercado de saúde, os gêmeos digitais podem ser os próprios pacientes, com a possibilidade de fornecer a indústrias farmacêuticas a oportunidade de um ambiente de testes para encontrar o melhor medicamento ou tratamento para uma condição específica. Tal tecnologia permitiria a realização de ensaios clínicos e testes farmacêuticos em tempos muito menores, com menos efeitos colaterais e custos reduzidos em relação ao modelo tradicional. Além disso, possibilitaria a realização de testes relacionados a procedimentos cirúrgicos ou a terapias experimentais, permitindo um avanço cada vez mais rápido da medicina de precisão.

Em resumo, acreditamos que o metaverso poderá trazer diversas oportunidades na saúde. Por mais que a imersão em mundos virtuais assuste, ao poder afastar os seres humanos do mundo real, ele trará a possibilidade de aproximar as pessoas e humanizar situações atualmente pouco comuns. Que o mundo virtual possa nos aproximar ainda mais no mundo real!

Artigo escrito em parceria com Luzia Sarno, executiva de tecnologia, conselheira e mentora com experiência em diferentes mercados, setores e culturas. Bacharela em Estatística pelo IME/USP,  tem MBA Executivo Internacional pela FEA/USP, xBA Xponential Business Administration pela StartSe University, Pós-MBA em Inovação pela School Business, Program Entrepreneurship for Finance/Economy por European Center for Continuing Education, PDE – Partnership of business development pela Fundação Dom Cabral, Business in the Digital World pela Fundação Getúlio Vargas, conselheira pelo IBGC e co-fundadora da AlumniTech, EduTech para Tecnologia. Publicado na coluna de julho de 2022 da MIT Sloan Management Review Brasil.